Não é novidade que a obesidade é um dos mais sérios problemas de saúde mundial. Doença epidêmica, crônica, multifatorial, dispendiosa, de alto risco e que afeta milhões de pessoas, sem respeitar fronteiras, idade, gênero, raça ou condição financeira. Atualmente, o aumento de sua prevalência é uma das maiores preocupações dos profissionais e pesquisadores da área da saúde1,2,3.
Embora a literatura científica na área de obesidade seja vasta, infelizmente ainda não é possível estabelecer um protocolo resolutivo do problema, tendo em vista que, dependendo do grau da obesidade e da resposta ao tratamento – que é muito individual a cada paciente –, as estratégias se mostram mais ou menos eficazes. Isso leva, muitas vezes, a resultados desanimadores, com altas taxas de insucessos terapêuticos e recidivas4.
De forma contundente, a ciência mostra que o tratamento da obesidade deve incluir – além de questões relacionadas a mudanças dos hábitos de vida –, uma forte estratégia psicossocial com enfoque interdisciplinar, já que, para a maioria, o problema está associado a emoções, traumas, negação e sofrimento. Felizmente, diferentes formas de controlar os aspectos emocionais nessa área têm sido propostas pela literatura, e cabe ao nutricionista aproveitar este conhecimento.
Fatores psicossociais envolvidos no emagrecimento
Promover a perda e manutenção do peso em pacientes obesos é tarefa árdua, tanto para o profissional quanto para o paciente. Segundo Anderson e Wadden5, os resultados da terapia para redução do peso desapontam, por vezes, profissionais da saúde e pacientes, e constitui-se em um grande desafio, frequentemente associado à frustração de ambos.
Segundo a nutricionista Dra. Mariana Del Bosco, co-responsável pelo Departamento de Nutrição da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (ABESO) e Nutricionista da Liga de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, para trazer resultados mais seguros e duradouros, o tratamento da obesidade deve estar inserido num contexto de modificação do estilo de vida.
"Acredito que o nutricionista deva encarar o paciente como um grande desafio. Não é fácil tratar a obesidade. Creio que o tratamento interdisciplinar nos dá um suporte para otimizar os resultados. É também importante entender que a obesidade é uma doença crônica e que o tratamento requer muita paciência. Os resultados nem sempre serão tão satisfatórios quanto se espera e, ainda assim, o paciente deve manter-se motivado. Considero fundamental exaltar as mudanças positivas que foram incorporadas à rotina. Se o paciente, por exemplo, não perdeu peso, mas diminuiu o consumo de frituras, vale a pena destacar essa melhora e estabelecer novas metas", conta a Dra. Mariana.
Já de acordo com a nutricionista Dra. Fernanda Pisciolaro, coordenadora da equipe de nutrição clínica do AMBULIM-IPq-HCFM-USP, membro da ABESO e do Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares (GENTA), a determinação do peso ideal não deveria ser feita no início do tratamento, mas sim construída a partir das respostas pessoais às mudanças no estilo de vida: "Grande parte dessa ansiedade em relação ao peso vem da ideia de que o peso é quem determina o saudável e isso não é necessariamente verdadeiro. Uma pessoa pode ter uma alimentação ruim, ser sedentária e ter um peso baixo, mas ser menos saudável do que um outro indivíduo com sobrepeso que mantenha uma boa alimentação e atividade física regular. É importante ajudar o indivíduo a diminuir a expectativa em relação ao peso, dando menor importância a ele ao longo do tratamento (por exemplo, não expondo o peso ao paciente e não determinando metas de peso), e, por outro lado, estimulando mudanças de comportamento alimentar e de exercício".
Em geral, indivíduos obesos estão inseridos em um contexto propício ao acúmulo de peso, o que inclui, além dos aspectos relacionados aos alimentos, um elevado nível de estresse e falha no controle do problema3.
Outro ponto importante é a falta do envolvimento familiar, o que pode comprometer severamente a adesão e o sucesso no tratamento da obesidade. Apesar de os familiares de indivíduos obesos reconhecerem que a obesidade é prejudicial à saúde e que a realização da dieta é importante, ora afirmam não saber como ajudar no tratamento, ora consideram a responsabilidade pela perda de peso exclusivamente do obeso5,6. Isto é confirmado por Anderson e Wadden5, que afirmam que a obesidade é vista como sinônimo de fraqueza e desmotivação.
Um estudo realizado por Souza et al.6 consistiu em identificar aspectos comportamentais e sociais envolvidos na dificuldade em perder peso e mantê-lo em longo prazo, após um tratamento nutricional com este fim. A amostra foi composta por pacientes que buscaram tratamento no Hospital Universitário Onofre Lopes, no município de Natal, Rio Grande do Norte, e seus familiares. Os autores identificaram que um dos aspectos mais importantes como desencadeadores da vontade de comer estava relacionado aos fatores emocionais e situacionais, tais como: ansiedade, angústia, preocupação, solidão, tensão/estresse, raiva e tristeza. Após seis meses de tratamento, os resultados de perda de peso foram insatisfatórios, mas os pacientes que relataram receber apoio familiar mostraram-se com maiores níveis de bem-estar e motivação, comparados àqueles que não contaram com tal suporte.
Alguns autores têm relatado que uma importante dificuldade capaz de justificar parcialmente o insucesso do emagrecimento está relacionada aos fatores socioeconômicos, tendo em vista o custo elevado de alimentos tipicamente utilizados nos programas de restrição calórica. Segundo Heller e Kerbauy7, a maioria refere não ter condições para adquirir alimentos necessários a uma dieta para emagrecimento, que tendem a ser mais caros do que outros tipos de alimentos.
"Outra questão a ser destacada é que grande parte dos programas de educação nutricional categorizam os alimentos de forma dicotômica em 'bons ou ruins', 'saudáveis e não saudáveis', 'permitidos e proibidos', e com um foco nos nutrientes e não nos alimentos e na comida. Com isso, muitas pessoas passaram a temer determinados alimentos e a considerá-los 'errados', mas, ao mesmo tempo, sofrem muito em evitá-los. Acredito que a educação nutricional é parte importante do tratamento da obesidade, mas deve ser focada em contextualizar os alimentos em situações adequadas de consumo, sem proibi-los, mas sim ajudando os indivíduos a comer com consciência e escolher de forma responsável, sem que tenham de evitar ou proibir qualquer alimento", complementa a Dra. Fernanda.
Por que obesos comem compulsivamente?
A compulsão alimentar é um transtorno caracterizado pelo ato de comer descontroladamente, em um intervalo de tempo máximo de duas horas, devido ao estresse ou a sentimentos negativos, uma quantidade de comida maior do que a maioria das pessoas comeria em um período de tempo semelhante8. Dados provenientes de estudos de intervenção relatam que a prevalência deste transtorno varia entre 20% e 50% nos indivíduos obesos9-12. Ainda, obesos compulsivos apresentam histórico de flutuações ponderais mais acentuadas do que obesos sem compulsão alimentar4,13.
O ato de comer compulsivamente revela um importante componente emocional da obesidade. Sabe-se que pessoas obesas, especialmente as do sexo feminino, o fazem como mecanismo compensatório em situações de ansiedade, depressão, tristeza, raiva14-16. É também reconhecido que indivíduos obesos que apresentam compulsão alimentar possuem imagem corporal negativa17 e sofrem maior angústia psicológica do que obesos não-compulsivos13,10.
"Diversas situações envolvem o desenvolvimento da compulsão alimentar, mas podemos destacar que as principais são a restrição alimentar (quantitativa e qualitativa) e a presença de gatilhos emocionais com os quais alguns indivíduos não apresentam habilidade para lidar e podem 'mascará-los' com a ingestão alimentar. Com o tempo, após sofrer restrições, as pessoas podem entrar em uma sensação de 'tudo ou nada' e achar que qualquer pequena 'saída' do programa alimentar que acredita ser o perfeito tenha eliminado qualquer chance de sucesso no tratamento da obesidade, e passar a comer compulsivamente", afirma a Dra. Fernanda.
Um caráter nutricional seletivo também parece se relacionar com o comportamento alimentar de obesos compulsivos. Neste sentido, o consumo de carboidratos está associado a tensões, ansiedade, fadiga mental e depressão. Alguns autores postulam que, ao longo do processo evolutivo, o cérebro foi programado a procurar substâncias de sabor doce, como fonte de nutrientes e energia4,18. Tal comportamento parece ocorrer devido ao fato de que receptores do sabor doce estimulam a liberação de endorfinas, considerada o "ópio" corporal. Segundo Bernardi et al.4, isto pode explicar porque, em períodos de tensão e ansiedade, muitas pessoas procuram alimentos doces.
Abordagem psicossocial no tratamento nutricional da obesidade
Propor mudanças nos hábitos alimentares é tarefa delicada, uma vez que comer é um dos maiores prazeres do ser humano. O tratamento da obesidade, por relacionar-se a restrições, abdicações e, em alguns casos, proibições de hábitos comuns e prazerosos do cotidiano, torna-se um grande desafio.
Neste âmbito, alguns pontos têm sido apontados como promissores na compreensão da tão almejada mudança de comportamento alimentar: a participação social, com envolvimento ativo da família3,4; o controle estrito dos fatores emocionais e dos episódios de compulsão alimentar3,4; e a motivação4,19.
O apoio social e familiar
O apoio social é definido como qualquer informação e/ou auxílio material capaz de provocar efeitos emocionais e/ou comportamentos positivos20. Para Andrade21, trata-se de um processo de interação entre pessoas ou grupos por meio de um contato sistemático e estabelecimento de vínculos de amizade e de informação. Segundo o autor, isso contribui para o bem-estar recíproco e para a construção de fatores positivos na prevenção e na manutenção da saúde.
A intervenção que orienta os familiares quanto ao tratamento da obesidade e sobre a importância do apoio social pode produzir melhores resultados, pois traz um melhor acompanhamento e incentivo aos pacientes. Stuart22 ressalta que os membros da família influenciam os comportamentos uns dos outros, portanto devem dar exemplos com ações e atos que instiguem comportamentos mais saudáveis. Estes aspectos devem ser continuamente lembrados ao longo do acompanhamento, tendo em vista que a família pode representar, para o obeso, uma importante – e talvez a maior – fonte de apoio social.
Este apoio pode também ser transmitido com a busca de uma proposta alimentar mais unificada possível entre o indivíduo obeso e os demais membros da família. Isso pode facilitar o seguimento da dieta e aumentar a adesão ao tratamento, sem que haja motivos propícios a recaídas. Da mesma maneira, os membros da família devem ser incentivados a buscar atividades externas ou de lazer que não se baseiem exclusivamente no prazer da alimentação6.
Lidando com os fatores emocionais e com a compulsão alimentar
No tratamento da obesidade, só é possível controlar os episódios de compulsão alimentar na medida em que o caráter emocional é estabilizado. Dessa maneira, a equipe envolvida deve centrar-se, inicialmente, na diminuição da frequência de compulsão alimentar e, posteriormente, no emagrecimento. Segundo Borges e Jorge23, o tratamento da compulsão alimentar deve ser baseado nas seguintes estratégias: psicoterapia; dietas que estejam de acordo com a realidade de cada paciente; e/ou uso de determinados medicamentos. Por isso, Oliveira e Fonseca24 sugerem que a equipe profissional responsável pelo paciente seja integrada, necessariamente, por nutricionista, médico e psicólogo.
"O tratamento da compulsão alimentar deve ser baseado na orientação de uma alimentação normal, sem restrições intensas, com escolhas conscientes, que incluam todos os alimentos, aliado ao tratamento psicológico, para o desenvolvimento de estratégias para aprender a lidar com as emoções", afirma a Dra. Fernanda.
Em relação aos aspectos emocionais em geral, o sucesso do tratamento deve ser calcado na elevação da autoestima, estímulo à força de vontade e à motivação do paciente, a fim de que este mantenha uma boa relação consigo mesmo, aumentando assim a confiança, compreensão e paciência para alcançar suas metas24. Esse ponto é considerado fundamental, tendo em vista que o simples fato de iniciar um tratamento para emagrecer pode aumentar a ansiedade do paciente e desestabilizar as questões relacionadas à ingestão alimentar.
Com relação a esta temática, estudos têm documentado a eficácia de diferentes técnicas/ teorias na mudança do comportamento alimentar (Tabela 1). Dentre estas, destacam-se a teoria cognitivo-comportamental24-28 e o modelo transteórico3,19,29,30.
Teoria cognitivo-comportamental
A teoria cognitivo-comportamental, utilizada para conduzir o processo de mudança cognitiva, é também voltada para modificações de sentimentos e ações, influenciando um padrão de pensamento social. As estratégias são também focadas na mudança de atitudes individuais, crenças e percepções sobre o comportamento30.
Na obesidade, essa teoria emprega técnicas comportamentais para ajudar na modificação dos hábitos alimentares. Como exemplos dessas técnicas, podem ser citadas: 1) automonitoração (observação sistemática e registro dos alimentos ingeridos e das circunstâncias associadas); 2) técnicas para controle de estímulos (que envolvem a identificação das situações que favorecem a ocorrência da compulsão alimentar e o desenvolvimento de um estilo de vida que minimize o contato do paciente com essas situações); e 3) treinamento em resolução de problemas, que ajuda o paciente a desenvolver estratégias alternativas para enfrentar suas dificuldades sem recorrer à alimentação inadequada8,31,32.
Estudos da atualidade têm demonstrado bons efeitos do modelo transteórico na mudança do comportamento alimentar41-43. Recentemente, Salehi et al.44 avaliaram a eficácia de uma intervenção nutricional usando o modelo transteórico no consumo de frutas e vegetais de 400 idosos iranianos. Comparado ao controle, o grupo intervenção apresentou maior proporção de idosos que passaram dos estágios de pré-contemplação para contemplação/preparação e ação/manutenção (p<0,0001); e do estágio de contemplação/preparação para ação/manutenção (p=0,004). Os autores concluíram que o modelo transteórico é um modelo útil que pode ser aplicado à mudança do comportamento alimentar.
Uma meta-análise publicada recentemente avaliou a eficácia do modelo transteórico na modificação da dieta e exercício físico como terapia para a perda de peso em adultos (n=3910) com sobrepeso e obesidade. Os estudos apontaram que não havia nenhuma evidência conclusiva para perda de peso sustentável. No entanto, o modelo, quando resultado da combinação de intervenções dietéticas e de exercício físico, tendeu a produzir resultados significativos (particularmente mudar o padrão de atividade física e consumo alimentar)45.
É importante destacar as limitações deste modelo: o comportamento alimentar consiste no consumo de no mínimo centenas de alimentos e bebidas, enquanto que o tabagismo – comportamento no qual se baseou o desenvolvimento da teoria em questão – envolve o consumo de apenas um item, o cigarro, que deve ser eliminado enquanto prática; já no caso da alimentação, o foco é no controle da ingestão. É também um modelo destinado ao indivíduo, e não a coletividades46.
Considerações finais
A obesidade deve ser considerada uma condição crônica, que requer apoio e monitoramento periódicos das questões relacionadas ao ambiente e ao comportamento. Em relação às estratégias voltadas à mudança do comportamento alimentar, o trabalho interdisciplinar que envolva um contexto psicossocial, motivacional e com participação ativa da família é visto hoje como a abordagem mais promissora para a doença.
Para a Dra. Mariana, é preciso saber identificar as principais dificuldades do paciente e dividir as responsabilidades com os profissionais capacitados para tratá-las: "Muitas podem ser as condições limitantes: muita fome, muita ansiedade, sono irregular, transtorno alimentar, inatividade física, depressão, alteração hormonal/metabólica, entre outras. Um nutricionista organiza e orienta a dieta; um endocrinologista avalia e trata a condição hormonal e metabólica; um psicólogo avalia o contexto psicossocial e usa estratégias de controle de situações de risco; um psiquiatra avalia a questão emocional e identifica possíveis transtornos que possam estar associados à obesidade; o educador físico é fundamental para orientar um treino factível e adaptado à sua condição, e que favoreça a queima de gordura; o cirurgião também pode fazer parte do tratamento, quando se tem um paciente que preenche os critérios eletivos para a cirurgia bariátrica", explica.
Para a Dra. Fernanda, não há um único modelo ou estratégia a ser utilizado: "Acredito que podemos aprender com essas diversas propostas e adequar a cada paciente. Dentre as propostas, posso citar que o aconselhamento nutricional, técnicas motivacionais, terapias cognitivo-comportamentais e interdisciplinares têm se mostrado eficientes, especialmente quando combinadas ao longo do tratamento".
Com tudo isso, pode ser possível interromper o ciclo vicioso da compulsão alimentar, ganho de peso e frustração. As intensas demandas psicológicas individuais causadas pela histórica restrição alimentar, além da pressão social para emagrecer, devem ser continuamente avaliadas.
Desta maneira, é possível atestar que programas de redução de peso que enfatizem, junto aos pacientes, a compreensão dos mecanismos biopsicossociais aos quais estão submetidos podem contribuir para a obtenção de resultados efetivos contra o excesso de peso.